ESPAÇO ABERTO
Debate de idéias – Informativo da Associação dos Docentes da UFMT – Adufmat- nº95/2011
O PESO DA LINGUISTIFICAÇÃO
Roberto Boaventura da Silva Sá
Dr. em Jornalismo/USP. Prof. de Literatura da UFMT
Neste artigo, continuarei a reflexionar sobre educação, ressaltando o ensino de língua materna. Antes, um registro: a semana que passou foi atípica. Nunca se debateu tanto a educação. Quem, p. ex., não assistiu ao vídeo – um dos mais acessados – da professora Gurgel em audiência pública no RN? Em campo específico – o ensino de língua – explodiram manifestações. Por isso, os cursos de Letras devem debater o tema de forma madura, sem receios de ferir susceptibilidades. Os compadrios da academia devem ser olvidados.
Das manifestações, destaco três. Na primeira, Reinaldo Azevedo, colunista da Veja, falando sobre o título – Por uma vida melhor – do livro que desmotiva o ensino da norma padrão, diz: “...esse ‘instrumento didático’ que conta com o endosso do MEC, se algum efeito tiver, será no sentido de piorar a vida do estudante; na melhor das hipóteses, contribui para mantê-lo na ignorância”. Assim, Azevedo reafirma o papel dos professores de língua: “...eles existem para lembrar que a norma culta existe, que ela é importante, que, à diferença de servir à discriminação, é uma corretora de diferenças e de desigualdades”. Aqui está a centralidade desse debate: classes sociais.
O mesmo autor identifica ainda quem, por ironia, provocou tudo isso. Suas palavras são tão fortes quanto verdadeiras: “... Esses vigaristas intelectuais estão certos de que o povo desenvolveu valores que lhe são próprios, que o distinguem da chamada ‘cultura da elite’. E deve ser respeitado por isso. A chegada do Apedeuta ao poder, com a sua compulsão de fazer a apologia da ignorância, parece dar razão prática a essa estupidez. Até parece que a complexa equação econômica em que se meteu o petismo, tendo de conservar os fundamentos do governo anterior, foi comandada por prosélitos do analfabetismo. Não foi! Ao contrário! Quem cuidou da operação foram pessoas com sólida formação intelectual”. De minha parte, já afirmei tudo isso em artigos anteriores.
Já Clóvis Rossi (Folha de SP), numa tão forte quanto perfeita comparação sobre regras, diz: “Tal como matar alguém viola uma norma, matar o idioma viola outra. Condenar uma e outra violação está longe de ser preconceito. É um critério civilizatório. Que professores prefiram a preguiça ao ensino, já é péssimo. Que o MEC os premie, é crime”.
Diante de tantas indignações, Maria Foltran, da Associação dos Linguistas, defendeu os autores daquele livro, o MEC e os docentes que ensinam a não ensinar. Essencialmente, ela não disse mais do que o óbvio, afirmando que “...as línguas mudam no tempo, independentemente do nível de letramento de seus falantes, do avanço econômico e tecnológico de seu povo, do poder mais ou menos repressivo das Instituições...”.
Mas se engana quem pensa que essa polêmica surgiu agora. Aqui entre nós, Avoante do Cariri, um poeta, que foi professor de Latim, na UFMT, já em 1982, foi um dos primeiros brasileiros a mostrar lucidez quando escreveu, no soneto “Hipérbole?”, os seguintes versos: “O Curso que devera ser de Letras// Toma as feições de Graduação em Tretas.// A pretexto de que se moderniza// Criou contra a gramática ojeriza.// A norma ficou só para os caretas!// – Pontificam modernos picaretas –// O grotesco, o informal se canoniza// Com o maior sangue frio e cara lisa.// Quem tinha as regalias de princesa// Já despe em praça pública a beleza,// Condenada à precoce extrema-unção.// E transforma-se a Língua Portuguesa,// A peso de linguistificação,// No mais teratológico aleijão”.